Na região de Londrina, os índios estão em pé de guerra. Há vinte dias os caigangues ocuparam o prédio da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o protesto mais recente aconteceu na última sexta-feira, com mais uma invasão – a primeira ocorreu em 13 de janeiro – da praça de pedágio de Jataizinho, na BR-369. O alvo da ira indígena é um recente decreto da Presidência da República que, entre outras coisas, fecha vários escritórios e postos da fundação em todo país. Nas aldeias do Vale do Ivaí o clima também é de descontentamento e principalmente desconfiança.
A reportagem do jornal Tribuna do Norte esteve nesta semana verificando as condições das tribos caingangues nas reservas indígenas de Ortigueira, Manoel Ribas e Cândido de Abreu. Dependentes dos serviços da Funai, os índios entendem que a centralização do órgão, conforme prevê o decreto, seria uma tentativa do governo de emancipá-los subitamente.
Os efeitos mais diretos do decreto 7.056, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 28 de dezembro de 2009, encontram-se no fechamento dos escritórios da Funai de Londrina, Guarapuava, Paranaguá e Curitiba, centralizando o atendimento de toda a região sul em Florianópolis.
O cacique da reserva de Queimados, em Ortigueira, Marcos Pires, 28 anos, explicou que sem o posto da Funai dentro da aldeia, a vida dos índios vai ficar complicada. “Dependemos muito da Funai. Neste posto trabalhava diariamente um funcionário que prontamente resolvia as necessidades da comunidade, encaminhando para a sede as solicitações que ele não poderia atender de imediato”, explicou Pires.
Sem o posto, os índios terão que se deslocar a Florianópolis para requerer os serviços da fundação. “Vai ficar inviável. Imagine quantas aldeias dos três estados eles terão que atender. Até o registro de nascimento de nossas crianças é feito pelo órgão”, contou o cacique. A Funai contribuiu com a população indígena no serviço de saúde, educação, fornecimento de dinheiro, sementes, na manutenção de equipamentos e implementos agrícolas, entre outros atendimentos. “Ficaremos por nossa própria conta, com o tempo não sei dizer o que pode acontecer com a comunidade”, enfatizou.
Caciques temem
invasões de terra
Dos cerca de 20 mil índios do Paraná, cerca de 1,4 mil vivem em Ortigueira. Nesta semana, um grupo de três caciques e lideranças de aldeias da região passou pela reserva de Queimados exatamente para discutir os efeitos do decreto.
“Para quem conseguiu entender o decreto, o fechamento dos escritórios da Funai é o menor dano. O pior é o que está por vir, pois a lei também extingue a área territorial indígena, assim estaremos sujeitos a invasão de terras”, sustentou o cacique da aldeia Mangueirinha, de Guarapuava, Valdir Kokoj, 35 anos, apesar do decreto não dispor de nada neste sentido.
“Vamos perder nosso espaço. Não sei qual foi o verdadeiro interesse do governo em promover estas modificações, mas pode ser uma iniciativa para dissolver as comunidades indígenas”, afirmou Kokoj.
O líder indígena frisa que, por enquanto, o movimento que pede a revogação do decreto é pacífico. “Se a revogação e a renúncia do presidente da Funai não acontecer, a decisão das novas medidas não vão ser tomadas mais pelas comissões de caciques, e sim por todos os índios”, ameaçou. (E.S.)
Região central
também se mobiliza
Ivan Maldonado
O decreto também vai prejudicar os povos indígenas caigangues da região central do estado. É o que afirma o cacique Ivo Borges Ninvaia da Reserva Indígena Ivaí, de Manoel Ribas. “Eles dizem que é a reestruturação da Funai, mas a nossa preocupação é que ficará difícil para nós nos deslocarmos até Florianópolis. Já é difícil ir até Guarapuava e querem deixar ainda pior”, diz o cacique.
A principal reclamação é que o decreto promove um desmanche da sede de 14 terras indígenas ligadas a Guarapuava. Os índios dizem que o decreto vai contra a reestrutração da Funai que vinha sendo reivindicada há anos. “Com a retirada destes postos, pode haver invasões, caça predatória, além de acarretar inúmeros problemas para as nossas comunidades”, denuncia.
Para ele, a falta orçamento e pessoal, que já eram insuficientes para atender as demandas indígenas podem ficar ainda pior.
A reserva Ivaí tem área de 7,2 mil ha e a população da aldeia é de aproximadamente 1,2 mil índios. Na área de saúde, os indígenas são atendidos num Posto de Saúde administrado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). “Desde que começou o desmanche do Posto de Guarapuava, começou também a faltar remédio, o carro para transportar pacientes foi levado para consertar a dois meses e até hoje não voltou”, reclama.
Centro indígena em Manoel Ribas
Nesta semana, durante uma visita a Manoel Ribas, o vice-governador Orlando Pessuti se mostrou solidário ao Povo Indígena paranaense e lamentou a reestruturação da Funai no estado. “Nós entendemos que a comunidade indígena do Paraná merece respeito, e estamos fazendo um trabalho junto aos deputados e o governo federal, para que reveja esta situação e mantenha a Funai no Paraná”, pondera o vice-governador.
Ele revela ainda que o governo do estado vai construir ainda neste ano, em Manoel Ribas, um Centro de Formação Tecnológica da Cultura Indígena. “A instalação desse Centro e a construção de casas indígenas que estamos fazendo em todo o estado, é uma demonstração do carinho e do respeito que o Governo do Paraná tem com os nosso irmãos indígenas”.
Na região, existem ainda a Reserva Indígena Faxinal, situada em Cândido de Abreu, com população aproximada de 450 índios e a Reserva Marrecas, localizada entre os municípios de Turvo e Guarapuava, onde residem aproximadamente 400 índios das etnias Caigangue e Xetá.
A reserva encolheu
Com as sucessivas perdas de terras ao longo de século XIX e XX, os caigangues, além de perderem a autonomia, se viram privados dos recursos naturais, pois as matas, rios e campos desapareceram com a devastação do ambiente. O que lhe restou de terras é uma pequena parte do que tinham no passado. “Até 1946 a reserva tinha 36 mil hectares, mas os antigos foram enganados pelo governo, e nossas terras foram reduzidas para a área que temos hoje, cerca de 7,2 mil hectares”, assinala o vice-cacique da Reserva Ivaí, Domingos Crispin.
Com isso, diz ele, a cultura indígena, que era organizada sobre uma economia baseada na caça, pesca e coleta, teve um declínio na qualidade de vida e passou a sobreviver do cultivo do feijão, arroz e milho, e principalmente do artesanato de balaios e cestas de taquara, que são vendidos nas cidades da região ou trocados por artigos e alimentos, que necessitam para consumo. (I.M)
Balaios e cestas
A principal matéria-prima para a confecção dos balaios e cestas da Reserva Indígena Ivaí é o bambu-taquara. A coleta fica por conta dos homens que a extraem das matas distantes. Um balaio com tamanho médio é vendido por R$ 25.
As mulheres, que ficam nas residências, cuidam do preparo da taquara - cortam em tiras, fazem a secagem, limpam, pintam as tiras com anilina industrial, depois é feito a confecção do cesto e da tampa. A comercialização dos cestos é da responsabilidade dos homens.
“É um aprendizado que vem de diversas gerações. É uma boa fonte de renda que ajuda na manutenção das famílias”, conta o Cacique Ivo Borges Ninvaia. A reserva possui um ônibus, que leva os produtos para serem comercializados em cidades maiores. (I.M.)
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